INDECIFRÁVEL
Acotovelado
sobre o batente da janela, sentindo a brisa fria enrijecer minha palidez,
observando o exalar calmo da fumaça de um cigarro estratégico se intensificar
tenuemente nos arredores de um luar minguante inalcançável ora iluminado ora
encoberto por nuvens densas que se dissipavam na penumbra de um céu infalível
ao anoitecer, depois de horas adentro analisando sua chegada, lidando com o
azul solar de um céu ao amanhecer, em seguida a densidade de nuvens temporárias
que abriam espaço para um tom laranja confiável, um rosa falho e um roxo
ardente formando um crepúsculo intocável no meio tempo em que o sol se perdia
na imensidão do horizonte abandonando os tetos das casas requintadas de um
litoral livre de turistas em um setembro frio, para que o céu se importunasse
com estrelas imóveis, mas que vez ou outra caiam sobre o desconhecido. A música
distante, quase inaudível na outra ponta do quarto extenso, seria um flashback
melódico ou um folk cheio de frases bem formuladas acompanhado por uma batida
leve, quase sensual, mas que por hora se reprimia a função de vulnerabilizar
meus pensamentos hostis de insatisfação. Então semicerro os olhos para os
passos na areia e os sigo até o momento em que as ondas quebram na praia
desvanecendo-os com sucesso, até que então encontro seus donos incógnitos
superiores as altas ondas de uma maré furiosa, movimentando suas pranchas em
manobras infalíveis, mas que em algum momento os engolia, até que voltasse a
superfície e tornassem a domá-las. Os ponteiros do relógio caminhavam
vagarosamente na parede atrás de mim, pendurado sobre a enorme cama de casal
que abrigava meu singelo e único corpo, mas se quer precisava olhar diretamente
para ele, o tempo seria incapaz de parar, ainda que o relógio quebrasse,
haveriam outros relógios, ali ou em outros lugares, que continuariam
insistentes, até que o dia amanhecesse e depois anoitecesse, e novamente, e
outra vez. E eram em momentos como esse em que sem precisar olhar diretamente
para meu reflexo no espelho, eu podia me ver, ali, estagnado a um destino
sórdido e imoral, indagando a mim mesmo o significado adjacente de uma
monotonia encabulada e que se distraia com o passar do tempo, fosse acendendo
filtros ao invés de brasas, fosse beijando lábios desconhecidos ao invés de
amantes ou alcoolizado com tantas doses de uísque que só então, só assim, me
permitiam selar as pálpebras, mas desta vez não para chorar ou engolir as
lágrimas, mas sim para que descansasse sobre meu leito embora escasso,
abrigando não apenas um corpo esgotado, mas também um confinamento mútuo de
tristeza isolada em um único coração.